Tributação do usufruto pelo ITCD no RS

18 ABR 2022

Tributação do usufruto pelo ITCD no RS

Este artigo tem por objetivo analisar a tributação da instituição e da extinção de usufruto pelo Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCD no estado do Rio Grande do Sul.

Inicialmente, é importante definir o que seja usufruto conforme as disposições legais. Os artigos 1.225, inciso IV e 1.394 do Código Civil definem usufruto como um direito real sobre coisa alheia, por meio do qual o nu-proprietário transmite ao usufrutuário o direito à posse, ao uso, à administração e à percepção dos frutos de um determinado bem, quer seja imóvel ou móvel.

Assim, diferentemente da doação de um bem, na qual há a transferência da sua propriedade ao donatário, na instituição do usufruto ocorre apenas a divisão do domínio do bem, ou seja, o nu-proprietário transfere ao usufrutuário apenas a posse direta do imóvel, mas a propriedade nunca sai de sua esfera patrimonial.

Também se faz necessário identificar qual a efetiva previsão constitucional deste imposto, a fim de delimitar o alcance das legislações estaduais. Assim dispõe sobre o ITCD o artigo 155, I da CF:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:                                                           I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

Ou seja, a Constituição dá aos estados e ao Distrito Federal a competência para instituir imposto sobre a transmissão não onerosa de bens e direitos sobre móveis ou imóveis. Sendo o usufruto um direito real exercido sobre determinado bem, naturalmente a incidência do ITCD na sua transmissão a terceiros (instituição, transferência ou extinção) está dentro da previsão constitucional.

 Já o Código Tributário Nacional disciplina o imposto nos artigos 35 a 42, devendo, porém, seus dispositivos serem interpretados à luz da atual Constituição, visto que ainda tratam do antigo ITBI de competência estadual incidente exclusivamente sobre a transmissão de bens imóveis e direitos a eles relativos.

Assim estatui o artigo 35 do CTN a respeito do fato gerador do ITCD:

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

 Indo para o âmbito estadual, no Rio Grande do Sul o ITCD é regido pelas disposições da Lei Estadual nº 8.821/89 e do Decreto nº 33.156/89. São relevantes para este estudo, por se referirem à instituição, transferência ou à extinção do usufruto, os artigos 2º, I; 4º, I, “a” e II, “a”, “b”, “d” e “e”; e 7º, II e VI, “a” da Lei nº 8.821/89.

Analisando-se o artigo 4º isoladamente, percebe-se estarem previstos cinco fatos geradores distintos relacionados ao usufruto:

1 – Instituição de usufruto na transmissão “causa mortis” (4, I, “a”);

2 - Instituição de usufruto na transmissão por doação (4, II, “a”);

3 – Extinção do usufruto na transmissão por doação (consolidação) (4, II, “b”);

4 – Transferência do usufruto na transmissão por doação quando ocorrer a morte de um dos usufrutuários, no caso de usufruto simultâneo com direito a acrescer (art. 4, II, “d”);

5 – Transmissão por doação da nua-propriedade (4, II, “e”).

 Deve-se, porém, considerar estas hipóteses em conjunto com as isenções previstas no artigo 7º e com a jurisprudência, fazendo com que, em alguns casos, embora haja a ocorrência do fato gerador o imposto deixe de ser devido.

 Iniciando com o fato gerador previsto no Item 1, ou seja, a instituição de usufruto causa mortis, pode-se citar como exemplo o proprietário que faz testamento prevendo a instituição do usufruto vitalício de um imóvel para a cônjuge supérstite. Ocorrendo o falecimento do testador, a nua-propriedade é partilhada entre os herdeiros, ficando a viúva como usufrutuária do imóvel. Ocorrem aí dois fatos geradores previstos no artigo 4º, I, “a” da Lei nº 8.821/89: um relativo à transmissão da nua-propriedade aos herdeiros e outro relativo à instituição do usufruto em favor do cônjuge.

 Havendo dois fatos geradores, poderia a Fazenda cobrar o ITCD fazendo as alíquotas incidirem sobre o valor integral do imóvel duas vezes? Embora o fisco já tenha efetuado a cobrança nestes termos, o TJRS, sempre que acionado, se posicionou contra esta possibilidade, como se vê nos acórdãos proferidos nos Agravos de Instrumento nº 70036440428 e nº 70015790538, ambos da 7ª Câmara Cível.

 Ou seja, nestas situações deve o ITCD ser pago de forma que a alíquota incida apenas uma vez sobre o valor total do imóvel, não tendo amparo legal a cobrança em duplicidade.

 Neste mesmo exemplo, no momento em que vier a falecer a viúva usufrutuária ocorrerá novo fato gerador (art. 4º, II, “b”), extinguindo-se o usufruto. A respeito deste evento também já se pronunciou o TJRS na Apelação e Reexame Necessário, nº 70057906059, da Primeira Câmara Cível, decidindo pela isenção do ITCD em função do disposto no artigo 7º, VI, “a” da Lei nº 8.821/89, ou seja, tendo havido pagamento de ITCD na transmissão da nua-propriedade, é isenta de ITCD a consolidação do usufruto na figura do nu-proprietário.

Quanto à instituição de usufruto na transmissão por doação mencionada no Item 2 (artigo 4, II, “a”), trata-se de operação normalmente sujeita ao ITCD, não tendo fundamento as contestações judiciais existentes a respeito do tema. Analisando-se os dispositivos do Código Civil referentes ao usufruto, conclui-se que a sua instituição tem natureza de transmissão de direito, ainda que temporária e condicionada, sendo válida a incidência do tributo sobre ela.

 Por outro lado, o ITCD incidente sobre o fato gerador previsto no Item 3 (extinção do usufruto) não poderá ser objeto de cobrança por parte do fiscoquando houver a consolidação da propriedade no nu-proprietário desde que este tenha sido o instituidor do usufruto. No caso, prevalecerá a isenção prevista no artigo 7º, II da Lei nº 8.821/89.

 Assim, por exemplo, se o proprietário de um imóvel instituir o usufruto para um filho com pagamento do ITCD (fato gerador do Item 2), caso este venha a morrer ou a renunciar ao usufruto (causas de extinção previstas no artigo 1410, I do CC), a extinção (fato gerador do Item 3) não será tributada.

 Outro exemplo é quando o proprietário doa a nua-propriedade de um imóvel para um filho com pagamento do ITCD (fato gerador Item 5) reservando para si o usufruto, fato este bastante comum. Por ocasião do falecimento do doador usufrutuário ocorrerá a extinção do usufruto (fato gerador Item 3) consolidando a propriedade no donatário. Esta extinção do usufruto, porém, não será tributada em função da isenção do artigo 7º, VI, “a”, uma vez que houve o pagamento do imposto na transmissão da nua-propriedade.

 Outro ponto que gera dúvidas e discussões judiciais é aquela do fato gerador especificado no Item 4, ou seja, a transferência do usufruto na transmissão por doação quando ocorrer a morte de um dos usufrutuários, no caso de usufruto simultâneo com direito a acrescer (art. 4, II, “d”).

 Este dispositivo somente veio a ser introduzida pela Lei Estadual nº 12.741 que passou a vigorar em 06/07/2007, tendo acrescentado a alínea “d” ao art. 4º, II, da Lei Estadual nº 8.821/89. Assim, se a morte de um dos usufrutuários tiver ocorrido antes desta data, não haverá incidência do ITCD. Porém, ocorrendo o falecimento após a vigência da Lei nº 12.741/2007, o imposto será devido, conforme a jurisprudência do TJRS.

Inicialmente, casos de mortes de usufrutuários ocorridas antes daquela lei foram julgados na Apelação Cível nº 50006223420188210056 da Segunda Câmara Cível, no Recurso Cível, nº 71007430374 da Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, e na Apelação Cível nº 70078590346 da Vigésima Primeira Câmara Cível.

 Já para processos em que o falecimento foi posterior à edição daquela alteração legal, pode-se citar os acórdãos proferidos nas Apelações Cíveis nº 50070314020188210019 e nº 51188575720208210001, ambos da Vigésima Segunda Câmara Cível.

 Finalmente, temos no Item 5 o fato gerador relativo à doação intervivos da nua-propriedade com a reserva de usufruto. Evento muito comum quando se trata de planejamento sucessório, ela ocorre, por exemplo, quando os pais realizam doação de seu patrimônio, no todo ou em parte, aos filhos, mantendo para si o usufruto vitalício dos bens doados.

Esta transmissão é fato gerador em que normalmente haverá a cobrança do ITCD com a alíquota incidindo sobre o valor total dos bens doados. Porém, como já visto acima, ao ocorrer qualquer evento que importe na extinção do usufruto não haverá nova cobrança do imposto. 

Como conclusão, pode-se afirmar que a legislação do Rio Grande do Sul está coerente com as previsões constitucionais a respeito do ITCD, tendo sido algumas interpretações equivocadas feitas pelo fisco visando a agravar a incidência tributária já rechaçadas pelo TJRS.

 

Referências Bibliográficas