PONTOS POLÊMICOS DO ICMS - IMPORTAÇÕES

20 NOV 2019

PONTOS POLÊMICOS DO ICMS - IMPORTAÇÕES

 

Ninguém desconhece que a legislação do ICMS é extremamente complexa, resultando em divergências na sua interpretação tanto entre fisco e contribuintes, quanto entre fiscos de diferentes estados e mesmo entre Auditores Fiscais de uma mesma unidade da Federação. Nestes artigos, iremos apresentar algumas destas divergências com o objetivo de estimular o debate e dirimir possíveis dúvidas a seu respeito.

 Alguns dos questionamentos mais comuns à legislação do ICMS ocorrem nas operações de importação de mercadorias do exterior.

 A incidência de ICMS sobre as operações de importação está prevista no art. 150, § 2º, IX, “a” e XII, “i”, ambos conforme a redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001:

“IX - incidirá também:

a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço;

...

XII - cabe à lei complementar:

...

i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.”

 Muitos autores descrevem o ICMS sobre importações como um outro tipo de imposto, diferente do ICMS propriamente dito que incide sobre as saídas de mercadorias e as prestações de serviços. E isto em função deles apresentarem diferentes fatos geradores (desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior x saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte) e diferentes base de cálculo (soma das seguintes parcelas: valor da mercadoria ou bem constante dos documentos de importação + imposto de importação + imposto sobre produtos industrializados + imposto sobre operações de câmbio + quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras + valor do próprio ICMS  x  valor da operação de saída).

 As principais lides jurídicas a respeito do ICMS sobre operações de importação são as seguintes:

a) Incidência do imposto sobre operações de importação de bens do exterior realizadas por pessoas físicas e por não contribuintes do ICMS. Embora a EC nº 33/2001 tenha tentado evidenciar a incidência do ICMS sobre estes bens, ainda são encontradas muitas divergências tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Tome-se como exemplo os seguintes arestos:

Divergência entre as expressões "bem" e "mercadoria" (arts. 155, II, e 155, § 2º, IX, a, da Constituição). É constitucional a tributação das operações de circulação jurídica de bens amparadas pela importação. A operação de importação não descaracteriza, tão somente por si, a classificação do bem importado como mercadoria. Em sentido semelhante, a circunstância de o destinatário do bem não ser contribuinte habitual do tributo também não afeta a caracterização da operação de circulação de mercadoria. Ademais, a exoneração das operações de importação pode desequilibrar as relações pertinentes às operações internas com o mesmo tipo de bem, de modo a afetar os princípios da isonomia e da livre concorrência.

[RE 439.796, rel. min. Luiz Fux, j. 6-11-2013, P, DJE de 17-3-2014, Tema 171.].

 

Ementa: APELAÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO. TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMPORTAÇÃO DE BENS POR PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA NÃO COMERCIANTE. ICMS. EC. 33/2001. NÃO INCIDÊNCIA. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mesmo após a Emenda Constitucional nº 33/01 persiste a não incidência sobre a entrada quando se tratar de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica não comerciante, e não destinados à mercancia, por afronta ao princípio da não-cumulatividade, face à impossibilidade de compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Apelo desprovido. Sentença confirmada em reexame necessário, por maioria.(Apelação e Reexame Necessário, Nº 70051056851, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em: 26-06-2013)

 

b) Destino físico x destino jurídico: a qual estado é devido o imposto no caso de importações realizadas por contribuinte do estado “A”, de mercadoria desembaraçada no estado “B” e que seja remetida diretamente do recinto alfandegado para um destinatário localizado também no estado “B”.

Vimos que o art. 150, § 2º, IX, “a” da CF/88 diz que cabe “o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço”. Já o art. 11, I, “d” da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir) estatui que o imposto será devido ao estado do estabelecimento onde ocorrer a entrada física da mercadoria. Na situação descrita acima, pela interpretação da LC, poder-se-ia concluir que o ICMS seria devido ao estado “B”, ou seja, ao estado do destino físico das mercadorias. Porém, tanto na doutrina quanto na jurisprudência há ampla maioria defendendo que o ICMS deveria ser recolhido ao estado “A”, onde se localiza o importador, ou seja, o destinatário jurídico das mercadorias importadas.

No entanto, algumas divergências jurisprudenciais ainda são encontradas, conforme se vê nas decisões abaixo:

O ICMS cabe ao Estado em que localizado o porto de desembarque e o destinatário da mercadoria, não prevalecendo a forma sobre o conteúdo, no que procedida a importação por terceiro consignatário situado em outro Estado e beneficiário de sistema tributário mais favorável.

[RE 268.586, rel. min. Marco Aurélio, j. 24-5-2005, 1ª T, DJ de 18-11-2005.]

= AI 816.070 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 2-12-2010, 1ª T, DJE de 1º-2-2011

 

 O sujeito ativo da relação jurídico-tributária do ICMS é o Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico da mercadoria (alínea a do inciso IX do § 2º do art. 155 da Carta de Outubro); pouco importando se o desembaraço aduaneiro ocorreu por meio de ente federativo diverso.

[RE 299.079, rel. min. Ayres Britto, j. 30-6-2004, 1ª T, DJ de 16-6-2006.]

= RE 405.457, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 4-12-2009, 2ª T, DJE de 5-2-2010

Vide RE 224.277, rel. min. Néri da Silveira, j. 25-5-1998, 2ª T, DJ de 26-6-1998

 

Caso especial ocorre nas operações de importação por conta e ordem de terceiros, onde o ICMS pertence ao estado de domicílio do verdadeiro importador, e não do intermediário:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. ICMS. IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE TERCEITO. ICMS DEVIDO AO ESTADO EM QUE LOCALIZADA A EMPRESA DESTINATÁRIA DA MERCADORIA. 1. Na forma do art. 155, § 2º, inc. IX, alínea ‘a’, da Constituição Federal o ICMS caberá “sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”. Comprovado nos autos que a NIQUELFER é destinatária dos bens (vide Contrato de Importação de Mercadorias Por Conta e Ordem de Terceiros, em que a é denominada adquirente, e cópias das Declarações de Importação) e que se trata de importação por conta e ordem de terceiro (importação indireta). Também caracterizado nos autos que o destino final das mercadorias importadas (a destinação física) é o estabelecimento da autora localizado no Estado do Rio Grande do Sul (vide o contido às 03-07 da petição inicial), figurando, a empresa TROP como mera intermediária da operação, inviável sustentar que o sujeito passivo da exação é a empresa TROP, a quem, frise-se, a própria demandante afirma ter contratado para proceder à importação por sua conta e ordem. Incidência da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal (IN SRF 225/2002) que disciplina essa prestação de serviços de importação de onde se extrai, claramente, que é considerada importadora a empresa mandante da operação, que é aquela que efetivamente está comprando a mercadoria, ainda que o faça por intermédio de uma outra empresa. Precedentes. 2. Honorários de sucumbência majorados em razão do disposto no art. 85, §§ 1º e 11, do CPC, além do Enunciado Administrativo nº 07 do STJ. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70078528916, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em: 29-08-2018).

 

c) Aplicação às importações de benefícios fiscais (isenção, redução de base de cálculo, por exemplo) previstos para operações de saídas de mercadorias para o território nacional. As Súmulas 575 do STF e 20 do STJ estabelecem, em linhas gerais, que são aplicáveis às importações os benefícios previstos para as mesmas mercadorias no “mercado interno”. Assim, quando uma mercadoria é isenta de ICMS para as operações de saída para todo o território nacional, não há dúvida quanto à aplicação daquelas súmulas. Por exemplo, se houver importação de cebola, tal operação certamente será isenta de ICMS pois as vendas de cebola para qualquer destinatário, seja do RS ou de outro estado, também são isentas. A dúvida surge quando o benefício só é válido para as operações “internas”, ou seja, quando remetente e destinatário estiverem no RS. Por exemplo, a redução de base de cálculo de produtos da cesta básica e as isenções de rações e de fertilizantes. Nestes casos há dúvidas sobre a real tributação do produto importado. O entendimento oficial da SEFAZ/RS é de que o benefício só é válido para as importações se previsto nas saídas independentemente da localização do destinatário ser no RS ou em outro estado. Mas há decisões jurídicas no sentido oposto, conforme acórdão a seguir:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. EMPRESA DE PEQUENO PORTE. DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA. MERCADORIA ORIUNDA DE OUTRA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. EFEITOS PATRIMONIAIS PRETÉRITOS. INDEFERIMENTO PARCIAL DA PETIÇÃO INICIAL. A expressão ‘legislação tributária’ compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes (art. 96 do CTN). Portanto, detém o poder de revogar e modificar a legislação tributária interna, e serão observados pela lei que sobrevenha (art. 98 do CTN). Desta forma, é indiscutível que tem aplicação compulsória o Tratado de Assunção e o Acordo Geral de Tarifas Aduaneira que preveem o tratamento isonômico entre as mercadorias importadas dos países signatários e as operações internas destes produtos. Como a legislação do Estado do Rio Grande do Sul, relativamente aos produtos que compõem a cesta básica, prevê a alíquota de 7%, esta alíquota deve ser a mesma quando da aquisição junto aos países signatários do Tratado de Assunção. Entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal. Não se admite efeitos patrimoniais anteriores à impetração nos termos da Súmula n. 271 e 269 do STF já que o mandado de segurança não é substitutivo da ação de cobrança. Entendimento também adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. Apelação provida em parte. Sentença mantida, no mais, em remessa necessária. (Apelação e Reexame Necessário, Nº 70081291007, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em: 05-06-2019).

 Bem, estes são os principais debates jurídicos referentes ao ICMS nas importações. Em breve apresentaremos outros pontos polêmicos da legislação do ICMS.

 

Referências Bibliográficas