O PERSE: seguidas alterações legislativas complicam os contribuintes
02 NOV 2024
1) O PERSE E SUA LEGISLAÇÃO
O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) foi criado para dar suporte ao setor de eventos, um dos mais impactados pela Pandemia de COVID-19, oferecendo redução a 0% (zero por cento) das alíquotas do PIS, COFINS, IRPJ e CSLL.
Desde sua criação pela Lei nº14.148/2021, diversas alterações legislativas dificultaram o correto entendimento das regras do PERSE pelas empresas, exigindo muita atenção à vigência e às condições dos benefícios do programa.
Pode-se resumir a evolução legislativa nos seguintes eventos:
● 03/03/2021 - Publicada a Lei nº 14.148/2021 instituindo o PERSE. Porém houve veto presidencial ao art. 4º, que concedia aos contribuintes do setor de eventos a incidência de alíquota zero de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre todas as suas receitas;
● 21/06/2021 - Publicada a Portaria ME nº 7.163/2021 estabelecendo quais as atividades do setor de eventos teriam direito ao PERSE, conforme art. 2º da Lei nº 14.148/2021, identificando-as por CNAE fiscal;
● 18/03/2022 - Derrubada do veto presidencial e revalidação do art. 4º da Lei n 14.148/21. O dispositivo condicionou o benefício às pessoas jurídicas descritas pelo art. 2º daquela Lei, mantendo as atividades já definidas pela Portaria ME nº 7.163/2021.
● 20/12/2022 - Publicada a MP nº 1.147/2022 que modificou a redação do art. 4º da Lei nº 14.148/2021, estabelecendo (1) que pessoas jurídicas abrangidas pelo benefício seriam relacionadas em ato do Ministério da Economia (caput); (2) que o benefício seria limitado apenas às receitas decorrentes de atividades vinculadas ao setor de eventos;
● 29/12/2022 - Em função da previsão contida na nova redação do caput do art. 4º da Lei nº 14.148/2021, conferida pela MP nº 1.147/2022, o Ministério da Economia publicou a Portaria ME nº 11.266/2022, com vigência em 01/01/2023, listando os CNAE’s alcançados pelo benefício. Nessa relação foram excluídos diversos CNAE’s inicialmente incluídos no benefício pela Portaria ME nº 7.163/2021;
● 30/05/2023 - Conversão da MP nº 1.147/2022 na Lei nº 14.592/2023, com nova alteração das disposições do art. 4º da Lei nº 14.148/2021, para fixar no próprio texto legal as atividades abrangidas pelo benefício, mantendo parcialmente as exclusões já efetuadas pela Portaria ME nº 11.266/2022 e a restrição de incidência apenas sobre as receitas do setor de eventos;
● 28/12/2023 – Publicada a MP nº 1.202/2023, que, no art. 6º, inc. I, revoga integralmente (para todas as atividades) os benefícios do PERSE, com efeitos a partir de 01/04/2024 para CSLL, PIS e COFINS (anterioridade nonagesimal), e a partir de 01/01/2025 para IRPJ (anterioridade anual).
● 22/05/2024 – Publicada Lei nº 14.859/2024, restabelecendo o art. 4º da Lei nº 14.148/2021 com os benefícios do PERSE, revogando o art. 6º, inc. I, da MP nº 1.202/2023 e mantendo a restrição de aplicação do PERSE às receitas decorrente do setor de eventos (§1º do art. 4º) e excluindo outros CNAE’s da abrangência do benefício (caput e § 5º). Também condiciona o aproveitamento do PERSE à prévia habilitação perante a RFB.
● 23/05/2024 – Publicada a IN RFB nº 2195/2024, disciplinando a habilitação e a fruição dos benefícios do PERSE. O prazo final para habilitação ficou estabelecido em 02/08/2024.
● 15.08.2024 – Publicada a IN RFB nº 2210/2024, dispondo sobre a autorregularização incentivada de tributos do PERSE, com prazo até 18/11/2024.
A nova Lei nº 14.859/2024, atualmente em vigor, previu as seguintes regras para que os contribuintes possam se beneficiar do novo PERSE:
1. Teto limite de R$ 15 bilhões, que será controlado pela RFB, ficando os benefícios automaticamente extintos a partir do mês subsequente àquele em que o Executivo Federal demonstrar que o custo fiscal acumulado atingiu o limite estabelecido pela lei.
2. Redução dos CNAE’s que teriam direito ao PERSE: foram excluídos diversos CNAE’s relativos, por exemplo, a serviços de transporte de passageiros e outros relacionados a veículos; a atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos. Restaram beneficiados apenas 30 setores previstos no caput do artigo 4º e mais 8 setores do § 5º do art. 4º da lei.
3. Exigência que o CNAE previsto na lei seja o principal ou preponderante do contribuinte, ou seja aquele com receitas mais representativas, e que já estivesse em vigor na data de 18 de março de 2022. A fim de evitar a atribuição de benefícios fiscais a empresas não submetidas às restrições econômicas com a pandemia, a lei veda a participação de empresas inativas entre os anos de 2017 e 2021.
4. Para as empresas optantes pelo lucro real e/ou submetidas ao lucro arbitrado, nos anos de 2025 e 2026 o benefício fiscal de redução de alíquota do PERSE somente será aplicável ao PIS e à COFINS.
5. Habilitação: as empresas interessadas precisavam se habilitar até o dia 2 de agosto de 2024 para usufruir dos benefícios. Agora, quem não se habilitou ou teve a solicitação negada, tem a chance de regularizar o Perse e ajustar a situação até 18/11/2024 graças à IN RFB nº 2210/2024.
A habilitação deve ser feita por meio da abertura de um processo digital no Portal do Centro Virtual de Atendimento – Portal e-CAC. Além disso, é essencial regularizar o PERSE através desse procedimento, garantindo o cumprimento das exigências.
Além disso, o Art. 3º da Lei nº 14.859/2024 permitiu que o contribuinte que recolheu o PIS, COFINS e CSLL, em razão do disposto no Art. 6º da MP nº 1.202/2023 prevendo a volta da incidência das alíquotas normais destas contribuições a partir de 1º de abril de 2024, pudesse compensar os valores recolhidos com os débitos próprios vencidos ou a vencer, relativos àqueles tributos.
2 - CNAES APTOS AO PERSE
A nova Lei nº 14.859/2024 apresenta 2 relações de CNAES: a primeira, no caput do artigo 4º, em que estão incluídos 30 CNAES que não exigem cadastramento prévio no CADASTUR.
Outra, no §5º do artigo 4º, que contém os CNAE’s que exigem, para ingresso no PERSE, que a empresa estivesse cadastrada no CADASTUR em 18 de março de 2022, ou que ela tivesse se cadastrado até 30 de maio de 2023.
Diversos CNAE’S, como o CNAE 55.90-6-03- Pensões (alojamentos), foram excluídos do PERSE, impactando diversos setores que inicialmente haviam sido beneficiados.
3 – ANÁLISE JURÍDICA
Todas estas alterações legislativas resultaram em um grande contencioso fiscal em todo o país, que perduram até hoje trazendo grande insegurança jurídica para as empresas.
Um dos pontos mais contestados foi em relação à ofensa ao artigo 178 do CTN com a ilegal revogação antecipada dos benefícios do PERSE.
Esta controvérsia decorre do fato de o PERSE ter estabelecido um programa de benefícios concedido por prazo certo e com requisitos específicos, destinado apenas a empresas que exerçam as atividades listadas na legislação, exigindo adicionalmente, por exemplo, registro perante o CADASTUR para alguns dos CNAE's.
Com isto, a revogação do benefício antes do prazo inicialmente estabelecido contraria o art. 178 do CTN, segundo o qual isenções tributárias concedidas por prazo certo e em função de determinada condição não podem ser revogadas ou modificadas a qualquer tempo. A discussão se estabelece em torno de saber se este dispositivo legal se aplica ao não aos benefícios fiscais do PERSE.
Um ponto importante para a análise do PERSE é a intenção do legislador em beneficiar o setor de Eventos. Em todas as leis relacionadas ao benefício (Lei nº 14.148/2021 e MP nº 1.202/2023, Lei nº 14.859/2024), pode-se verificar que são inúmeras as vezes em que é mencionada a palavra “eventos” ou a expressão “setor de eventos”, tornando claro que as normas se destinam ao setor de eventos.
Ou seja, a princípio o programa emergencial foi criado, como o próprio nome diz, exclusivamente para o setor de eventos, como tentativa de mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido no país, em razão da pandemia da Covid-19.
Com isto, conforme a nova legislação, não basta a empresa ter em seu CNAE principal uma das atividades listadas na lei, mas também que esta seja sua atividade preponderante (aquela mais representativa para a empresa em termos de receita bruta).
O artigo 2º da Lei nº 14.148/2021 que instituiu o PERSE deixa bem claro o objetivo “de criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020”. Mas o parágrafo primeiro tem a seguinte redação:
...
“§ 1º Para os efeitos desta Lei, consideram-se pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente:
I - realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos;
II - hotelaria em geral;
...”.
Interpretando-se este dispositivo, pode-se concluir que as atividades ali listadas têm uma presunção legal de que pertençam ao setor de eventos, tendo direito aos benefícios do PERSE. Com base nisto, muitas empresas que exerciam aquelas atividades, mesmo não estando ligadas diretamente ao setor de eventos, passaram a se aproveitar dos benefícios do PERSE, ficando sujeitas a eventuais fiscalizações pela RFB.
Porém, após as alterações legislativas ocorridas enfatizando a necessidade de a empresa pertencer ao setor de eventos e exigindo prévia habilitação perante a RFB, as restrições ficaram maiores, assim como o risco de aproveitar o benefício, sobretudo a partir da criação da DIRBI - Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária, na qual os valores aproveitados no PERSE têm que ser informados mensalmente à RFB.
4 – JURISPRUDÊNCIA
A jurisprudência do TRF4 tem se manifestado sobre o PERSE da seguinte forma:
1) Não há ilegalidade na redução do rol de atividades abrangidas pelo benefício fiscal operada pela Portaria ME n.º 11.266/2022, pois o ato infralegal encontra fundamento de validade na Lei. Se o ato normativo secundário pode validamente definir os códigos da CNAE abrangidos pelo benefício fiscal, pode também revisá-los, incluindo ou excluindo determinadas atividades econômicas (AC 5000738-30.2024.4.04.7107).
2) Comprovando a empresa que aufere receitas decorrentes também de atividades compreendidas em CNAEs que, inclusive, são relacionadas ao seu objeto social, sendo, ademais, notória a sua realização, não existe, pelo tão só fato de não constar as atividades secundárias do seu CNPJ, óbice em participar do programa desde 18/03/22 até enquanto vigente a Lei 14.592/23. (AP Nº 5083269-34.2023.4.04.7100/RS).
3) No período posterior à vigência da Lei 14.859, de 22.05.24, onde os requisitos para fruição do benefício são diversos, inclusive no que se refere às atividades que podem participar (agora principal/preponderante), além de demandar prévia habilitação administrativa, sem a qual não se verifica o interesse de agir (APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5083269-34.2023.4.04.7100/RS).
4) Por implicar significativa redução de benefício fiscal e, consequentemente, majoração indireta de tributos, a exclusão de atividades após a entrada em vigor da Portaria 11.266, de 01/01/23, deve, necessariamente, observar o princípio da anterioridade - nonagesimal para as contribuições PIS/COFINS e CSLL (art. 195, §6º, da CF) e anual para o IRPJ (art. 150, III, b, da CF) (AC5001767-70.2023.4.04.7004).
5) A interpretação sistemática dos dispositivos da Lei nº 14.148/2021 e da Portaria ME nº 7.163/2021 -considerando-se o próprio objetivo explícito do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) - permite inferir que somente a receita (ou "resultado", nos termos do artigo 4º, caput) proveniente da atividade cujo CNAE está descrito nos anexos da Portaria ME nº 7.163/2021 se submete à alíquota zero de PIS/COFINS, IRPJ/CSLL. ( AC 50531633520224047000).
5 – CONCLUSÕES
Após as últimas alterações legislativas, ficou clara a ênfase na necessidade de a empresa pertencer ao setor de eventos para se beneficiar do PERSE.
Além disso, aumentou o risco de eventuais questionamentos por parte da Receita Federal em função das informações a respeito dos benefícios fiscais que têm que ser prestadas na DIRBI - Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária.
De qualquer forma, a nova Lei nº 14.859/2024 manteve a redação do artigo 2º da Lei nº 14.148/2021 que hotéis e outras atividades presumidamente pertencem ao setor de eventos.
Além disso, alterou o artigo 4º da Lei nº 14.148/2021, mantendo as receitas decorrentes de serviços de hotelaria, entre outras atividades, entre aquelas passíveis de usufruírem do PERSE mesmo sem registro no CADASTUR.
No entanto, a IN RFB 2195/2024 condicionou o benefício à habilitação da empresa interessada perante a RFB até 02/08/2024. Com o prazo aberto pela IN RFB nº 2210/2024 para autorregularização do PERSE até 18/11/2024, talvez seja possível ainda efetuar a habilitação pelo e-CAC para as empresas que até aqui não o fizeram.
Tais limites temporais poderão gerar novas demandas judiciais, aumentando ainda mais o contencioso relacionado ao PERSE.
Enfim, esta multiplicidade de questionamentos decorre, sem dúvidas, da inabilidade de nossos legisladores de implementarem uma legislação justa, adequada e estável para beneficiar as empresas que sofreram prejuízos durante a pandemia do Covid-19. Colabora também para isto a ânsia da União para recompor seu caixa através da limitação ou revogação de benefícios fiscais já concedidos aos contribuintes.
A insegurança jurídica e o aumento do contencioso fiscal demonstram como a legislação relativa ao PERSE é um exemplo do que não deve ser feito ao se criar um determinado benefício tributário.