O Direito no Brasil, os Criptoativos e as Operações no Metaverso
06 AGO 2022
O DIREITO NO BRASIL, OS CRIPTOATIVOS E AS OPERAÇÕES NO METAVERSO
A sociedade está imersa em uma era digital, em que, a cada momento, surgem inovações tecnológicas que se inserem em seu cotidiano, gerando a necessidade de uma resposta legal à repercussão por elas provocada. Relações jurídicas inovadoras, interações digitais, novas formas de busca e oferecimento de produtos e serviços exigem, com frequência, respostas de nosso sistema jurídico para garantir segurança a todos os adeptos da novidade tecnológica, sem coibir a liberdade dos criadores e dos usuários destes novos recursos.
A difusão dos criptoativos e a expansão do número de adeptos às interações virtuais no metaverso vêm, pouco a pouco, impactando o mundo jurídico, de forma a estimular a atuação de advogados, de legisladores e do judiciário. Bilhões de dólares circulando nas redes descentralizadas das criptomoedas, fora do controle de governos e bancos centrais, acenderam o sinal de alerta na comunidade internacional sobre a necessidade da criação de normas que proporcionem um mínimo de controle por parte dos órgãos governamentais.
Um exemplo do volume que as operações com criptoativos têm tomado, são os dados divulgados no site DappRadar[1], informando que quatro blockchains baseadas em metaverso (The Sandbox, Decentraland, CryptoVoxels e Somnium Space) alcançaram mais de US$ 100 milhões em vendas de imóveis virtuais apenas na última semana de novembro de 2021, atraindo mais de 6.000 investidores. Sem a regulação destes mercados, estes milhares de usuários estarão sem proteção legal para seus fundos, além do risco da ocorrência de evasão de divisas, lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e ao tráfico de drogas, além de outros crimes, que os altos valores movimentados propiciam.
Também no Brasil a utilização destas tecnologias disruptivas avança rapidamente, enquanto a legislação tenta se adequar às mudanças por elas produzidas. Este aumento dos negócios realizados no mundo virtual já começa a exigir a atuação de advogados, em diversas áreas. Por exemplo:
Direito Empresarial: o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração do Ministério da Economia, no Ofício-Circular SEI 4081/2020, respondeu consulta que foi remetida a todas as Juntas Comerciais do país considerando possível a integralização de capital social de empresas com criptoativos[2].
Por sua vez a Comissão de Valores Mobiliários – CVM divulgou nota na qual conceitua as ICO´s - Initial Coin Offerings como sendo captações públicas de recursos que têm como contrapartida a emissão de ativos virtuais em favor do público investidor. Considera que, tais ativos virtuais, a depender do contexto econômico de sua emissão e dos direitos conferidos aos investidores, podem representar valores mobiliários, sendo reguladas pelos termos da Lei nº 6.385/76.[3]
Ações de execução civis e trabalhistas: o judiciário tem proferido decisões determinando a busca e o bloqueio ou penhora de criptomoedas em nome de devedores. Neste sentido há recentes decisões do TJSP[4] e do TRT15[5] ordenando a exchanges que forneçam informações a este respeito. Ressaltando que as pesquisas do SISBAJUD não atingem criptomoedas.
Planejamento sucessório: possuindo alguém criptomoedas em seu acervo patrimonial, é necessário repensar as formas de planejamento sucessório, de modo a adequar os institutos e ferramentas disponíveis com a forma de funcionamento destes bens. Isto porque o registro das transações promovidas pela blockchain não utiliza os tradicionais elementos de identificação do usuário - nome, endereço, identidade, CPF, dentre outros, como normalmente ocorre nas transações bancárias, mas apenas as chaves públicas (public keys). Assim, caso o titular não repasse aos herdeiros de alguma forma sua chave privada (private key), seus ativos ficarão inacessíveis caso venha a falecer.
Direito Penal: diante de novos golpes relacionados aos criptoativos e da falta de um tipo penal adequado previsto no Código Penal, o Congresso Nacional, no texto do PL 4401/21 – Marco Legal dos Criptoativos, está discutindo a inclusão no CP de dispositivo prevendo crimes com ativos virtuais.
Direito Público: a tokenização de precatórios está revolucionando o mercado de créditos judiciais. A Exchange Mercado Bitcoin, por exemplo, está comercializando cerca de R$600 milhões em tokens representando partes destes recebíveis judiciais[6]. Esta possibilidade amplia o mercado de precatórios, permitindo acesso a pequenos investidores que, até então, ficavam alijados do processo.
Direito Tributário: este é o ramo do direito que talvez tenha que sofrer maiores transformações para se adequar às operações com criptoativos. São inúmeros os desafios que ainda devem ser enfrentados para garantir maior previsibilidade e segurança jurídica a este mercado.
Sem dúvida o tratamento tributário a ser dado a cada tipo de operação dependerá da definição legal e da natureza jurídica do criptoativo. Deve-se perquirir, também, ao se detectar uma manifestação de riqueza tributável ou de capacidade contributiva, se o evento estará sujeito à incidência de tributos sobre a renda, sobre a propriedade ou sobre o consumo, sempre considerando o princípio da legalidade estrita.
No Brasil, há uma dificuldade adicional em relação a outros países que é a divisão de competências entre estados e municípios para tributar consumo. A tênue fronteira dos conceitos de serviços e de ativos virtuais transacionados eletronicamente permite um enquadramento mais simples quando se tem o IVA, enquanto decidir pela incidência de ICMS ou ISS, em alguns casos, traz inúmeras dificuldades. Tal é o caso da tributação de softwares, que foi definida pelo STF no julgamento da ADI nº 1.945 após mais de 20 anos de controvérsias.
Além disso, está se expandindo a prática adotada por escritórios de advocacia de aceitarem que o pagamento dos honorários seja feito com criptoativos, com isto buscando adaptar-se a estas inovações tecnológicas e facilitando as opções de pagamento para seus clientes [7].
Deste modo, tudo indica que, nos próximos anos, teremos um amplo campo de atuação para os advogados nas operações envolvendo criptoativos, realizadas ou não no ambiente virtual do metaverso.
[1] https://dappradar.com/blog/over-100-million-in-metaverse-land-sales-last-week
[2] https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/drei/legislacao/arquivos/OfcioCircular4081criptomoedas.pdf
[3] https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/initial-coin-offerings--icos--88b47653f11b4a78a276877f6d877c04
[4] Processo nº 2212988-06.2021.8.26.0000 da 15ª Câmara de Direito Privado de SP. Processo nº 0051646-45.2020.8.26.0100 da 11ª Vara Cível de SP.
[5] Processo nº 0010579-95.2016.5.15.0036
[6] https://www.mercadobitcoin.com.br/tokens/precatorios/token-de-precatorio-mbprk04