ICMS. Remessa de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular: como fica a transferência de créditos?

19 JUN 2024

ICMS. Remessa de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular: como fica a transferência de créditos?

Nas idas e vindas que, de maneira sem precedentes, vêm ocorrendo em nossa legislação tributária, parece que agora chegou ao fim a novela das transferências de crédito de ICMS nas remessas de mercadorias entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular.

Ao julgar a Ação Direta de Constitucionalidade - ADC 49, o STF havia decidido que a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador de ICMS, já que não há circulação jurídica da mercadoria, apenas física.

Esse entendimento levou à edição da Lei Complementar nº 204/2023, que modificou a Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir), estabelecendo a não incidência do ICMS nessas operações. Garantiu, também, o direito de os contribuintes manterem os créditos das operações e prestações anteriores, seja transferindo-os para a unidade federada de destino, seja utilizando-os para abater débitos de ICMS incorridos no estado de origem.

Entretanto, parte do texto original daquela LC que incluía o parágrafo 5º no artigo 12 da Lei Kandir foi vetado pelo Presidente da República, tornando obrigatória a transferência de créditos nestas operações, da forma como havia sido prevista pelo CONFAZ no Convênio ICMS nº 178/2023. Na prática, funcionaria como se ainda houvesse incidência de ICMS nestas remessas.

Ocorre que, em 28/05/2024, o Congresso Nacional rejeitou aquele veto presidencial e reincluiu na Lei Complementar nº 204/2023 o dispositivo que estabelece a possibilidade de o contribuinte optar por promover, ou não, essa transferência de créditos.

Desta forma, ficou facultado às empresas equiparar as operações de remessas entre estabelecimentos de mesmo titular àquelas em que há incidência do imposto, aproveitando o crédito com as alíquotas do estado em que se situam os estabelecimentos, nas operações internas, ou com as alíquotas interestaduais nos deslocamentos entre estados diferentes.

Essa mudança foi oficializada pela publicação da parte vetada da Lei Complementar nº 204/2023, e garantiu a possibilidade de maior flexibilidade para os contribuintes no destaque do ICMS. Com isto, o CONFAZ se vê obrigado a editar novos Convênios para alterar os Convênios ICMS nº 178/2023, 225/2023 e 228/2023 a fim de adaptá-los à nova legislação, sob pena de inconstitucionalidade superveniente.

E como devem agir os contribuintes a partir de agora?

Se for interessante ao contribuinte realizar a transferência de créditos para o seu estabelecimneto situado em outro estado, o valor dos créditos estarão limitados aos percentuais estabelecidos nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada. Ou seja, serão aplicadas as alíquotas de 4, 7 ou 12%, conforme a origem da mercadoria e o estado de destino.

Quanto à base de cálculo do ICMS nas transferências, temos duas hipóteses. A primeira, seguindo-se o previsto no Convênio ICMS nº 178/2023, haverá três situações distintas:

1) o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria (para varejistas);

2) o custo de produção, ou seja, a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento (para indústrias) ou 

3) tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos, mão-de-obra e acondicionamento.

No entanto, outra pode ser a forma de se fixar a base de cálculo da operação se for considerado o disposto na parte final do § 4º, I da Lei Complementar nº 204/2023, onde está consignado que o crédito a ser suportado pelo estado de destino, em razão da transferência da mercadoria, será determinado pela aplicação da alíquota interestadual pertinente sobre o “valor atribuído” à operação pelo sujeito passivo. 

Ora, a fim de garantir o princípio da não-cumulatividade, pode-se dizer que a nova lei deu ao contribuinte a faculdade de calibrar o “valor atribuído” a fim de transferir, integralmente ou não, os créditos das operações anteriores relacionados à mercadoria enviada de um para outro estabelecimento da mesma empresa.

 Por outro lado, caso os créditos possam ser melhor utilizados no estado de origem, o contribuinte poderá simplesmente deixar de destacar o valor do ICMS nas Notas Fiscais de transferência, mas tendo garantida a manutenção dos respectivos créditos em função da não ocorrência do fato gerador do imposto, conforme a ADC nº 49.

Esta opção de destacar o ICMS pode ser uma ferramenta útil para as empresas no planejamento e na gestão fiscal, especialmente para aquelas que operam em diferentes estados com regimes fiscais distintos.

No entanto, essa flexibilidade pode resultar em uma complexidade adicional, exigindo das empresas o aprimoramento de seus controles fiscais a fim de poderem usufruir dos benefícios desta nova realidade. Sem dúvida, o fato de que uma mesma operação, com a mesma mercadoria, possa ser ora tributada, ora não, pode gerar inconsistências perante as fazendas estaduais.

Portanto, a possibilidade de o contribuinte gerir a transferência ou não de créditos de ICMS traz consigo a necessidade de um controle mais efetivo de seus sistemas fiscais e contábeis, a fim de evitar possíveis erros que possam levar a inconformidades tributárias e possíveis autuações.

 

Referências Bibliográficas