Efeitos da reforma tributária sobre as empresas do Simples Nacional

24 JUN 2024

Efeitos da reforma tributária sobre as empresas do Simples Nacional

A Emenda Constitucional 132/2023, que teve como principal objetivo alterar a tributação sobre o consumo, também manteve o tratamento simplificado, diferenciado e favorecido às micro e pequenas empresas, garantindo sua competitividade na atuação do mercado brasileiro.

E não poderia ser de outra forma, já que a simplicidade passou a ser um dos princípios constitucionais do Direito Tributário, estampado no recém introduzido parágrafo 3º do artigo 145 da Carta Magna:

      "Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

        ...

      § 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da            justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. (Incluído pela Emenda Constitucional nº        132, de 2023)".

Também o artigo 146, III, “d” da CF foi alterado, passando a prever, para as empresas do Simples Nacional, a possibilidade de cobrança do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de forma unificada com os demais tributos já ali previstos (ICMS, ISS, IPI, PIS, COFINS, CPP, IRPJ e CSLL).

Porém, algumas alterações foram trazidas pela EC 132/2023 no que diz respeito aos optantes do Simples Nacional.

 A primeira e, talvez, a mais importante, é a possibilidade do contribuinte do SN optar pelo recolhimento do IBS e da CBS fora do regime do Simples Nacional, de acordo com o parágrafo segundo do artigo 146 da CF, inserido pela EC 132/2023.

Neste caso, ele irá creditar-se dos valores destes tributos destacados nas NF-e´s de aquisição de mercadorias e serviços, e poderá transferir integralmente os créditos aos seus clientes. Também deverá efetuar a apuração e pagamento dos impostos em separado daqueles que ainda recolher pelo SN.

 Esta alternativa pode ser vantajosa para empresas que possam se beneficiar de créditos tributários do IBS e CBS, reduzindo sua carga tributária efetiva, ou, ainda, para as empresas situadas no meio de uma cadeia produtiva para as quais seja interessante transferir integralmente aos adquirentes de suas mercadorias os créditos destes tributos.

Para facilitar o entendimento, faremos um demonstrativo de como funciona o creditamento de ICMS em uma cadeia de circulação de mercadorias na qual se insere uma empresa do SN.

Conforme a atual legislação (LC 123/2006 e Resolução CGSN nº 140/2018), as empresas do SN somente transferem créditos de ICMS no valor que efetivamente recolherem com as alíquotas do Simples. Com isto, a presença de uma empresa optante do Simples inserida em uma cadeia produtiva, provocará, como abaixo demonstrado, um aumento da carga tributária total pela redução do crédito que poderá ser apropriado pelo adquirente.

Apresentamos, no exemplo abaixo, duas tabelas comparando a carga tributária (total de ICMS devido) quando não há e quando há empresa do SN na cadeia produtiva:

CÁLCULO ICMS - TODAS EMPRESAS DO REGIME GERAL

                                        VALOR DA VENDA              ALÍQ.                 ICMS DEVIDO

EMPRESA 1 GERAL               1.000,00                      17%                           170,00

EMPRESA 2 GERAL               2.000,00                      17%                340,00 - 170,00 = 170,00

EMPRESA 3 GERAL               2.500,00                      17%                 425,00 - 340,00 = 85,00

TOTAL ICMS DEVIDO = R$425,00

 

CÁLCULO ICMS - COM EMPRESA DO SIMPLES NACIONAL

                                        VALOR DA VENDA                 ALÍQ.                  ICMS DEVIDO

EMPRESA 1 GERAL            1.000,00                              17%                           170,00

EMPRESA 2 SN                    2.000,00                             1,36% *                       27,20

EMPRESA 3 GERAL            2.500,00                              17%                   425,00 - 27,20 = 397,80

TOTAL ICMS DEVIDO = R$595,00

*Alíquota de ICMS no SN.

Note-se que, quando a EMPRESA 2 for optante do SN, a carga tributária de ICMS irá passar de R$425,00 para R$595,00, tornando a aquisição de mercadorias de empresas do Simples Nacional mais onerosa para a EMPRESA 3. E, o que torna ainda pior o problema, é o fato da EMPRESA 3 ter que pagar R$397,80 de ICMS ao invés dos R$85,00 que pagaria se adquirisse de empresa também do Regime Geral.

Por outro lado, conforme o Ato Declaratório Interpretativo nº 15/2007 da RFB, as empresas do Lucro Real que apuram PIS e COFINS sob o regime não-cumulativo, podem se apropriar de créditos respectivamente de 1,65% e 7,6% do valor da aquisição de mercadorias ou serviços de empresas do SN, o que resultará em créditos em montante bem superior aos valores efetivamente recolhidos de PIS e COFINS dentro do SN. Neste caso, a apropriação de créditos pelo adquirente independe do fato de a EMPRESA 2 ser ou não optante do SN.

Com a inserção da IBS e da CBS no sistema tributário, os créditos destes tributos também ficarão limitados aos valores pagos no SN. Ou seja, se hoje os créditos de PIS e COFINS  podem ser apropriados pelas suas alíquotas integrais, a CBS, que irá substituí-los, assim como o IBS, terá seus créditos limitados aos valores pagos no regime do Simples Nacional.

Já quanto ao IPI, pelo sistema atual as empresas do SN não podem transferir créditos. Com o novo sistema, com o IPI integrando a CBS, será possível a transferência de crédito limitado, como vimos, ao valor pago no Simples Nacional.

Em resumo, considerando que todas as transferências de crédito ficarão limitadas aos valores pagos no SN relativos a IBS e CBS, as aquisições de empresas optantes pelo Simples possivelmente irão gerar valores de créditos de IBS e CBS menores do que no atual sistema (ICMS/IPI/PIS/COFINS).

 A segunda alteração diz respeito à constitucionalização das formas de apropriação e de transferência dos créditos pelas empresas do SN. A EC 132/2023 inseriu o parágrafo 3º no artigo 146 da CF, com o seguinte teor:

      “§ 3º Na hipótese de o recolhimento dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, ser realizado por                meio do regime único de que trata o § 1º, enquanto perdurar a opção:

       I - não será permitida a apropriação de créditos dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, pelo                contribuinte optante pelo regime único; e    

       II - será permitida a apropriação de créditos dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, pelo                      adquirente não optante pelo regime único de que trata o § 1º de bens materiais ou imateriais, inclusive            direitos, e de serviços do optante, em montante equivalente ao cobrado por meio do regime único”.

Ou seja, se optar por recolher o IBS e a CBS pelo SN, a empresa não terá direito a créditos, e só poderá transferi-los até o valor efetivamente recolhido pelo Simples.

Assim, enquanto no sistema atual o ICMS, o ISS, o IPI, o PIS e a COFINS obrigatoriamente são apurados no SN, com a reforma as empresas optantes poderão escolher se apuram o IBS e a CBS pelo SN ou “por fora” do SN.

Uma exceção ocorre com relação ao ICMS e ISS das empresas que tenham ultrapassado o sublimite de R$3.600.000,00, situação em que deverão apurar estes tributos “por fora” do Simples, como as empresas da modalidade GERAL.

Assim, muito possivelmente, empresas do SN, por pressão de seus clientes interessados no aproveitamento de maiores créditos destes tributos, poderão optar por recolher o IBS e a CBS "por fora" do SN. Tal fato será ainda mais relevante considerando-se a elevada alíquota prevista de 27,5% de IBS e CBS, o que resultará numa diferença ainda maior entre os créditos transferidos por empresas do SN e por aquelas que apurem estes tributos fora do Simples.

No entanto, esta opção irá requerer uma análise detalhada e cuidadosa, pois envolve um aumento significativo nas obrigações acessórias da empresa e, dependendo do número de funcionários, nos custos previdenciários incidentes sobre a folha de pagamentos. A adaptação a essa nova realidade exigirá planejamento, investimento em capacitação e um acompanhamento atento das novas regulamentações.

Embora a legislação do Simples Nacional já ofereça uma redução na burocracia, a EC 132/2023 busca simplificar ainda mais o sistema tributário, basta ver as alterações que promoveu na CF, por exemplo:

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

...

§ 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente”. 

“Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.

...

§ 5º Lei complementar disporá sobre:

...

IX - os critérios para as obrigações tributárias acessórias, visando à sua simplificação”.

 Considerando-se estes dispositivos constitucionais, parece-nos inevitável que o Estado proporcione aos optantes do Simples Nacional um sistema gratuito e simplificado para que apurem o IBS e a CBS “por fora” do Simples Nacional quando esta possibilidade lhes for conveniente.

Em suma, pode-se dizer que a Reforma Tributária trará uma mudança importante no cenário tributário brasileiro, com impactos significativos sobre as empresas do Simples Nacional.

Embora a simplificação e unificação de tributos possam trazer benefícios, é essencial que, através das Leis Complementares a serem aprovadas no Congresso Nacional, sejam atendidas  as especificidades e necessidades das micro e pequenas empresas, de forma a que possam continuar contribuindo para o desenvolvimento econômico do país.

 

 

 

 

 

Referências Bibliográficas