DA IMUNIDADE DE ITBI NA TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL PARA A INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL DE EMPRESA DO RAMO IMOBILIÁRIO

05 OUT 2021

DA IMUNIDADE DE ITBI NA TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL PARA A INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL DE EMPRESA DO RAMO IMOBILIÁRIO

      O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é um tributo de competência Municipal incidente sobre a transmissão onerosa de bem imóvel inter vivos. Neste contexto, entende-se que a transmissão de bem imóvel ocorre com a mudança de titularidade do direito, saindo do patrimônio do transmitente para o de terceiro.

      Esse artigo pretende analisar a questão decorrente da imunidade de ITBI na transmissão de bem imóvel a título de integralização de capital de empresa do ramo imobiliário. Para iniciar o nosso estudo, reproduzimos abaixo o dispositivo constitucional que prevê o ITBI:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

[…]

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de

bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

[…]

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;”

      Também sobre o tema trata o Artigo 37 do Código Tributário Nacional (CTN), que possui o status de lei complementar, determinando o que seja a atividade preponderantemente imobiliária do adquirente do imóvel:

“Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:

I - quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;

II - quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.

Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.

Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.

§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.

§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.

§ 3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.”

       Até aqui, a jurisprudência majoritária de nossos tribunais (1) vai no sentido de que a restrição prevista no Artigo 156, § 2º, I da CF seria válida para todas as operações societárias ali relacionadas, ou seja, a imunidade não se aplicaria quando o adquirente tivesse como atividade preponderante operações imobiliárias, seja nas realizações de capital social, seja em incorporações, cisões, fusões ou extinções .

      Porém, esta interpretação pode estar sendo alterada. Recentemente ocorreu a decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 796.376, sob a sistemática da repercussão geral (Tema 796), que, ao tratar da imunidade na transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, fixou a tese de que a hipótese prevista no inciso I do § 2º do artigo 156 da Constituição Federal não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.

      Na decisão prevaleceu a tese do ministro Alexandre de Moraes, que divergiu do Relator ministro Edson Fachin. E foi em seu voto que Alexandre de Moraes manifestou nova interpretação ao Inciso I do Parágrafo 2º do artigo 156 da Constituição Federal. Entendeu ele que a ressalva apontada no final do texto envolvendo o setor imobiliário se refere apenas às hipóteses previstas na segunda parte daquele inciso, ou seja, à transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. Desta forma, ficaria excluída da restrição a hipótese de integralização de capital social, prevista na primeira parte do mencionado inciso, à qual seria aplicável a imunidade do ITBI seja qual fosse a atividade preponderante do adquirente.

      Decisões recentes dos Tribunais de Justiça de São Paulo (2) , de Minas Gerais (3) e do Ceará (4) levaram em consideração a interpretação adotada no Recurso Extraordinário nº 796.376 e definiram que o benefício constitucional vale também para o contribuinte com atividade preponderantemente imobiliária.

      Acreditamos que o entendimento dado pelo ministro Alexandre de Moraes e esposado pelo professor Kiyoshi Harada (5) é o mais correto, conclusão a que se chega tanto a partir da interpretação literal quanto da análise teleológica do texto constitucional.

      Inicialmente, interpretando literalmente o inciso I do § 2º do Art. 156 da CF, assim se pronunciou o ministro em seu voto vencedor:

" Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso I — 'nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil' — revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão 'nesses casos' não alcança o 'outro caso' referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do artigo 156 da CF. (...). Ou seja, a exceção prevista na parte final do inciso I, do §2º, do artigo 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso (...).

Reitere-se, as hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito" (grifamos).

      Embora tais considerações sejam questões secundárias analisadas pelo ministro, não compondo a ratio decidendi desse julgado, isto não significa que elas não sejam de extrema relevância.

      Isso porque a adoção desse posicionamento em casos futuros levará a uma mudança significativa na interpretação do texto constitucional por nossos tribunais. Além disso, acarretará no reconhecimento de que o artigo 37 do Código Tributário Nacional não foi recepcionado pela Constituição Federal, ao menos em parte, já que ele prevê que a imunidade de ITBI não é aplicável nas transferências também a título de integralização de capital para pessoas jurídicas imobiliárias.

      Por outro lado, em sede doutrinária, tratando da imunidade do ITBI nos eventos societários, RICARDO ALEXANDRE assim se manifesta:

"Por força do inciso I do § 2º do art. 156 da CF/1988, as operações de fusão, incorporação e cisão de pessoas jurídicas também estão imunizadas. Entretanto, nesses casos, se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, haverá incidência" (Direito Tributário, ed. JusPODIVM, 15ª edição, 2021, pág. 812) (grifamos).

      De onde se conclui que, se apenas "nesses casos" é preciso indagar a atividade preponderante do adquirente, fácil perceber que, na hipótese de integralização de capital, a preponderância da atividade da agravante é destituída de importância.

       Já sob o aspecto teleológico da norma constitucional, sabe-se que a intenção do legislador ao estabelecer a imunidade do ITBI sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica destinados à integralização do capital social foi a de facilitar a instituição/criação de novas sociedades e a movimentação de bens que representassem o capital exigido para tal finalidade. E não haveria sentido em impor uma condição menos favorável à criação de empresas do ramo imobiliário, que é um dos setores que mais gera empregos no mercado de trabalho.

      Assim, parece que a decisão do STF com a inovadora posição do ministro Alexandre Moraes trouxe luz sobre uma parte do texto constitucional que vinha sendo interpretado de forma equivocada, fornecendo, assim, argumentos para que as pessoas jurídicas imobiliárias deixem de recolher o ITBI em capitalizações futuras, podendo até mesmo pleitear a restituição dos pagamentos efetuados no passado.

1) Apelações Cíveis nº 70085093300, 50093053320208210010 e 50183514620208210010 do TJRS. REsp 1336827 / RS – STJ. ARE 961338 AgR /RS – STF.

2) Agravos de Instrumento nº 2140905-89.2021.8.26.0000 e nº 2042850-06.2021.8.26.0000 (TJ-SP).

3) Apelação Cível nº 1.0148.15.005512-4/004 (TJ-MG).

4) Apelação Cível nº 0011320-46.2019.8.06.0064 e Agravo de Instrumento nº 0626323-19.2021.8.06.0000(TJ-CE).

5) "ITBI - Doutrina e prática". São Paulo: Atlas. 2010, p. 85.

 

 

Referências Bibliográficas