DA IMPOSSIBILIDADE DA APROPRIAÇÃO DE CRÉDITOS DE ICMS NA AQUISIÇÃO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO

14 ABR 2020

É sabido por todos os que laboram com Direito Tributário que as empresas têm direito ao crédito de ICMS referente às aquisições de bens destinados ao ativo permanente. Tal garantia é decorrente do Princípio da Não-Cumulatividade previsto no art. 155, § 2º, I da CF/88 que abaixo é reproduzido:

"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

...

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

...

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;"

Ou seja, em cada etapa da circulação da mercadoria o imposto cobrado nas etapas anteriores é dedutível do imposto devido. Desta forma, o ICMS a recolher será sempre a diferença entre o imposto debitado pela saída da mercadoria e aquele creditado pela sua entrada, de modo que o ônus suportado pelo consumidor final será sempre igual à alíquota aplicada sobre o preço de comercialização.

Entretanto, o direito ao crédito não é absoluto. Para haver crédito, é necessário que a operação seja tributada, pois só aí poderá ocorrer a compensação do débito pela saída com o crédito pela respectiva entrada. Ou seja, tanto a entrada como a saída do produto/serviço devem ter sido oneradas pelo imposto.

Por outro lado, a Lei Complementar nº 87/96 em seu artigo 20, admitiu expressamente o crédito pelas entradas de mercadorias destinadas ao uso e consumo e aos bens destinados ao ativo permanente da empresa, tendo, porém, colocado nova restrição ao proibir o crédito caso as mercadorias sejam alheias à atividade fim do estabelecimento. In verbis:

Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.

§ 1º Não dão direito a crédito as entradas de mercadorias ou utilização de serviços resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas, ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento.

Desta forma, como se constata pela leitura do parágrafo primeiro do dispositivo acima, não é qualquer entrada de mercadorias que gera direito ao crédito de ICMS. Estão excluídas, além das isentas e não-tributadas, as entradas de mercadorias alheias às atividades do estabelecimento. Ou seja, para haver o crédito é necessário que a mercadoria ou bem adquirido esteja diretamente relacionado com as atividades de industrialização, comercialização ou prestação de serviços realizadas pela empresa.

Assim, por exemplo, dão direito a crédito as aquisições de máquinas e equipamentos industriais feitos por um estabelecimento industrial, de balcões frigoríficos, expositores e impressoras fiscais por um supermercado e de caminhões por uma empresa de transporte rodoviário de cargas. Estes bens do ativo imobilizado se integram ao produto final ou sofrem desgaste na produção, na comercialização ou na prestação de serviços efetuados pelo contribuinte. Como consequência, o ICMS incidente em sua aquisição pode ser compensado com o que for devido pelas saídas de mercadorias ou prestações de serviços que realizar.

No que tange à forma de aproveitamento dos créditos incidentes sobre a aquisição de bens do ativo permanente, ela está disciplinada no artigo 20, § 5º da Lei Kandir e no artigo 15, I, “a”, § 8º da Lei Estadual nº 8.820/89, devendo o seu valor ser apropriado em 48 parcelas a partir da data da entrada do bem no estabelecimento do contribuinte, além de se sujeitar a diversas outras condicionantes que não são objeto deste artigo.

Já uma situação diferente é o das aquisições de materiais destinados à construção ou reforma do estabelecimento do contribuinte. Embora os imóveis façam parte contabilmente do ativo permanente da empresa, os materiais adquiridos não se destinam à revenda nem são utilizados direta ou indiretamente na industrialização ou comercialização da mercadoria. Eles são utilizados, sim, na construção de imóvel para seu uso próprio. E mesmo que a obra se destinasse à revenda, a venda de imóvel estaria fora do campo de incidência do ICMS. O prédio adere ao terreno onde foi edificado, formando uma unidade permanente cuja transmissão de propriedade exige forma própria (escritura no Registro de Imóveis) e está sujeita ao ITBI de competência municipal.

Além disso, obras de construção civil, sejam elas realizadas com material fornecido pelo empreiteiro ou pelo proprietário, estão sujeitas apenas ao ISS, não havendo incidência de ICMS (Item 7.02 da Lista de Serviços da Lei Complementar nº 116/2003).

Ou seja, os materiais de construção quando vendidos pelo comerciante para o construtor ou para o proprietário da obra têm incidência de ICMS. Porém, quando destinados à aplicação em obra de construção civil, seja diretamente pelo prestador de serviços seja pelo encomendante, não sofrem nova incidência do imposto pois o produto final (a obra) está sob o campo de incidência do ISS e não do ICMS.

A Lei Estadual nº 8.820/89 é bem clara quanto a este entendimento ao estatuir em seu art. 16, V:

Art. 16 - Para efeito de apuração do montante devido a que se refere o art. 21, não é admitido crédito fiscal:

...

V - relativo à entrada de mercadorias ou aos serviços recebidos que se destinem à construção, reforma ou ampliação do estabelecimento.

E assim também dispõe o Decreto nº 37/669/97 (RICMS/RS):

Art. 33 - Para efeito de apuração do montante devido a que se referem os arts. 37 e 38, não é admitido crédito fiscal:

...

V - relativo à entrada de mercadorias ou aos serviços recebidos que se destinem à construção, reforma ou ampliação do estabelecimento;

E a jurisprudência do STJ se posiciona neste mesmo sentido como se pode ver na Ementa do AgInt no AREsp 1358361 / RS da 2ª Turma do STJ que teve como relator o Ministro Mauro Campbell Marques:

“PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO

ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. ARTIGOS 489 E 1.022, I e II, CPC/2015. NÃO CARACTERIZAÇÃO. MATERIAIS ADQUIRIDOS. USO DESTINADO ÀS ATIVIDADES NÃO AFETAS AO ESTABELECIMENTO. DIREITO AO CREDITAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. Ausência de violação dos artigos 1.022, parágrafo único, incisos I e II, 489, § 1º, I e IV do CPC, pois o acórdão recorrido, conforme trecho colacionado no acórdão de origem, manifestou-se de forma expressa acerca dos pontos apontados como omissos.

2. Os valores de ICMS advindos dos materiais adquiridos para a construção do prédio onde funcionará o supermercado, por serem mercadorias alheias à finalidade da empresa, não podem ser objeto de creditamento, conforme permite o artigo 20 da Lei Complementar nº 87/96, em virtude da exceção prevista em seu parágrafo 1º.

Precedentes. (AgRg no Ag 1.145.693/RS, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 3/8/10) 3. Agravo interno não provido.”

 

Com base nos argumentos acima expostos, pode-se concluir que as entradas de materiais de construção destinados à edificação ou à reforma do estabelecimento do contribuinte não geram direito a créditos de ICMS passíveis de serem utilizados no abatimento de seus débitos.

 

Referências Bibliográficas