Alíquotas Interestaduais de ICMS: A Resolução do Senado Federal 13/2021 e a ADI 4.858

12 MAI 2021

Alíquotas Interestaduais de ICMS: A Resolução do Senado Federal 13/2021 e a ADI 4.858

Em 26 de abril de 2012 foi publicada no DOU a Resolução nº 13 do Senado Federal, estabelecendo uma nova alíquota de ICMS para operações interestaduais incidente sobre a comercialização de produtos importados.

 Conforme explicitado na Exposição de Motivos, a citada norma visava primordialmente acabar com a “Guerra dos Portos”, modalidade específica de guerra fiscal caracterizada pela concessão de benefícios fiscais por alguns Estados para estimular a entrada de produtos importados em seus territórios, sem a autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).

 À época, Santa Catarina e Espírito Santo eram os mais representativos exemplos de Estados que concediam de forma unilateral expressivos benefícios de ICMS para empresas importadoras que se instalassem em seus territórios ou que utilizassem seus portos marítimos, portos secos ou aeroportos para o desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas.

 O Artigo Primeiro da mencionada resolução tem a seguinte redação:

 Art. 1º A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior, será de 4% (quatro por cento).

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos bens e mercadorias importados do exterior que, após seu desembaraço aduaneiro:

 I - não tenham sido submetidos a processo de industrialização;

 II - ainda que submetidos a qualquer processo de transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento, reacondicionamento, renovação ou recondicionamento, resultem em mercadorias ou bens com Conteúdo de Importação superior a40% (quarenta por cento).

 § 2º O Conteúdo de Importação a que se refere o inciso II do § 1º é o percentual correspondente ao quociente entre o valor da parcela importada do exterior e o valor total da operação de saída interestadual da mercadoria ou bem.

 Essa alíquota passou a ser aplicada aos bens e mercadorias importados do exterior que, após seu desembaraço aduaneiro fossem comercializadas sem sofrer nenhum processo de industrialização, ou, se utilizadas como insumos em processo de industrialização, resultassem em mercadorias ou bens com Conteúdo de Importação superior a 40%.

 Até então vigoravam em todo o território nacional, nas operações interestaduais sujeitas ao ICMS, apenas as alíquotas de 7% e 12% estabelecidas pela Resolução do Senado Federal 22/1989, cuja aplicação dependia apenas dos Estado de origem e de destino das mercadorias ou serviços.

 Com a utilização da alíquota de 4% foi alterada a distribuição do ICMS incidente sobre a comercialização de produtos importados, destinando uma parcela maior do imposto para o estado onde estivesse localizado o destinatário, em detrimento do estado do importador. Em decorrência dos vultosos benefícios que estabeleceram para os contribuintes que importassem por seus territórios, Espírito Santo e Santa Catarina foram, sem dúvida, os Estados mais prejudicados.

 Reagindo a esta nova legislação, ainda em 2012 foi proposta pela Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Espírito Santo a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.858 contestando a Resolução 13/2012. A autora alegava que a norma extrapolava a competência conferida ao Senado pelo Artigo 155, § 2º, IV da Constituição Federal, para fixar as alíquotas interestaduais de ICMS, porque estabelecia uma discriminação entre produtos estrangeiros e nacionais, resultando em legislação indireta sobre comércio exterior e invasão de competência do Congresso Nacional ao tratar da proteção da indústria nacional. Além disso, violava a reserva de lei complementar prevista no Artigo 146, III, “a” da Constituição Federal.

 Afirmava, ainda, que a resolução padeceria ainda de baixa “densidade normativa”, ferindo o princípio da tipicidade cerrada ao delegar a definição de regras de incidência do tributo a órgãos do Poder Executivo – no caso, ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e à Câmara de Comércio Exterior (Camex), restringindo indevidamente a competência normativa conferida aos Estados para estimular a atividade econômica.

 Até o momento da redação do presente artigo, esta ADI encontrava-se ainda pendente de julgamento no STF, estando a resolução vigente em todo o território nacional. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a nova alíquota de 4% foi incorporada à Lei nº 8.820/89 pela Lei nº 14.178/2012, passando a vigorar no Estado a partir de 2013.

 Apenas em abril de 2021, na Sessão Virtual de 23.4.2021 a 30.4.2021, o STF finalmente decidiu continuar o julgamento do tema, tendo como relator da ADI o Ministro Edson Fachin que se manifestou favoravelmente ao pleito da autora no sentido de declarar a inconstitucionalidade da alíquota de 4% estabelecida naquela norma, tendo sugerido a seguinte tese:

 “Viola o princípio da igualdade tributária resolução senatorial que, ao fixar alíquotas máximas para operações interestaduais tributadas por ICMS, nos termos do art. 155, §2º, IV, da Constituição da República, desconsidera o princípio da seletividade e discrimina produtos em razão da origem”.

  Propôs, também, a modulação dos efeitos da decisão, nos seguintes termos:

 “Propõe-se, ainda, nos termos do art. 27 da Lei 9.868, de 1999, e tendo em vista o tempo de vigência do ato normativo impugnado na presente ação direta, a modulação dos efeitos desta decisão, para que sua eficácia tenha início a partir da publicação da presente decisão.”

 Acompanhando o relator, o Ministro Marco Aurélio Mello votou também pela inconstitucionalidade da norma, embora discordando da modulação.

 Entretanto, demonstrando o quão controvertido é o tema, os Ministros Gilmar Mendes, Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Carmen Lúcia defenderam a constitucionalidade da alíquota de 4%, tendo o Ministro Roberto Barroso, em seu voto, sugerido a seguinte tese:

  “É constitucional a resolução do Senado Federal que, com fundamento no art. 155, § 2º, IV, da CF, reduz a alíquota interestadual devida nas operações envolvendo mercadorias importadas, visando a combater a guerra fiscal entre os Estados.”

  Até o momento foram proferidos apenas estes 6 votos, tendo o Ministro Dias Toffoli pedido vista aos autos, suspendendo a tramitação do processo.

 A fim de analisarmos o tema em debate, reproduzimos abaixo o dispositivo constitucional que disciplina a forma de definição das alíquotas interestaduais do ICMS:

 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

 ...

 § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

 ...

 IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;

 Como se sabe, o ICMS, apesar de ser um imposto de competência estadual e distrital, possui abrangência nacional, razão pela qual a Constituição e a legislação federal regulam amplamente o imposto visando à uniformização de sua incidência evitando, assim, a guerra fiscal.

 Entre os mecanismos orientadores constitucionalmente previstos está a atribuição ao Senado Federal – Casa Legislativa que representa os Estados e o Distrito Federal – da competência para fixar as alíquotas aplicáveis às operações interestaduais.

 Desta forma, a interpretação dada pela mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Espírito Santo de que a referida competência se limitaria à fixação de alíquotas uniformes para as operações interestaduais não é consentânea com os preceitos constitucionais. A própria Constituição prevê diversas hipóteses de discriminação de alíquotas do ICMS em função do destinatário das mercadorias (Artigo 155,0§ 2º, VII), em razão da essencialidade das mercadorias (Artigo 155, § 2º, III) e em função da origem e destino dos produtos (Artigo 155, § 2º, IV c/c Resolução do Senado Federal nº 22/1989).

 A compatibilidade da Resolução 13/2021 com a sistemática constitucional também é verificada por implicar em fortalecimento do pacto federativo, uma vez que a alíquota de 4% para as operações interestaduais desestimula os benefícios fiscais concedidos sem amparo do CONFAZ e destinados aos importadores, minimizando, assim, a guerra fiscal.

 Também não procede a alegação de violação à reserva de lei complementar prevista no Artigo 146, III, “a”, da CF, visto que a resolução fixa apenas a alíquota de ICMS nas operações interestaduais com mercadorias importadas, sem se referir às definições de fato gerador, base de cálculo e contribuinte do tributo conforme mencionados neste dispositivo constitucional.

 No que tange à alegada discriminação em razão da origem das mercadorias, clara é a redação do Artigo 152 da CF direcionando a vedação apenas aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal, não abrangendo normas de origem federal, como a do caso em tela.

 Por fim, também não se configurou a mencionada afronta ao princípio da tipicidade cerrada, já que a Resolução 13/2021 estabeleceu expressamente o conceito do que seja “conteúdo de importação”, tendo atribuído ao CONFAZ e à CAMEX apenas definições complementares que não interferem na interpretação e aplicação da norma senatorial.

 Ante o exposto, considerando-se a segurança jurídica necessária aos contribuintes que atuam no setor e a importância que representam as operações com produtos importados na arrecadação de ICMS dos Estados e do Distrito Federal, aguarda-se que o julgamento da ADI 4858 seja concluído em breve, devendo, em nosso entender, prevalecer a tese da constitucionalidade da Resolução que criou a alíquota de 4% incidente sobre as saídas interestaduais de mercadorias importadas.

 

 

Referências Bibliográficas